Teias do Tempo
Nova York parecia suspensa entre o concreto e o céu. Fevereiro soprava seus ventos frios pelas ruas molhadas de garoa, e mesmo o ruído ocasional de uma sirene parecia mais um eco do que um alerta. Àquela hora, apenas os faróis dos táxis riscavam as avenidas quase vazias, enquanto olhos curiosos espiavam do alto dos prédios, desejando flagrar o Amigo da Vizinhança em pleno voo, costurando o céu com suas teias.
Mas naquela noite ele não veio.
No apartamento modesto no Brooklyn, o silêncio era outro. Mary Jane permanecia em pé havia mais de meia hora, imóvel diante da escrivaninha onde repousavam fotografias. As imagens eram nítidas, vibrantes, cheias de movimento — capturas perfeitas do herói em ação. Mas, para ela, não eram apenas fotos. Eram fragmentos do homem que amava. O cheiro metálico da tinta fotográfica misturava-se ao perfume suave de lavanda do quarto, mas Mary Jane mal respirava.
Todas aquelas imagens haviam sido rejeitadas por Jameson. “Quero sujeira!”, ele vociferara. “Quero o Homem-Aranha como ele é: uma ameaça!”
Mary Jane rangeu os dentes ao lembrar. “Ele não sabe de nada”, murmurou para si mesma. As mãos, antes tão firmes ao segurar a câmera, agora tremiam.
Então, um som: um sopro de vento pela janela, um farfalhar… e uma sombra invadiu o cômodo. Instintivamente, ela correu até a varanda, os olhos arregalados de esperança. Nada. Apenas o negrume da noite. Ao retornar, seu coração parou por um instante.
Havia um corpo no chão.
— Peter…? — a voz saiu trêmula.
Ela correu. O traje vermelho e azul estava chamuscado, sujo, rasgado no olho esquerdo e na altura da boca. Ele mal se movia. Por um momento, ela sentiu o sangue fugir do rosto.
— O que aconteceu, Peter? Você está legal? — ajoelhou-se ao lado dele, os olhos marejados.
Ele virou o rosto com esforço e esboçou um sorriso torto.
— Ei… você devia ver o outro cara…
A máscara pendia frouxa. Com um gesto trêmulo, Mary Jane puxou o capuz e, sem pensar, esmurrava-lhe o peito. Uma, duas vezes.
— Idiota! Eu pensei que estivesse morto! — a dor e o alívio colidiram em suas palavras.
Ele segurou seu punho com gentileza.
— Só você?
Ela o empurrou com força, afastando-se. Ele gemeu ao se erguer com dificuldade, mas ainda com aquele olhar debochado que ela conhecia bem.
— Por que está brava? — perguntou, mancando até ela.
— Você sabe por quê! — gritou. — Toda vez que você some eu imagino o pior! Você volta ensanguentado, rasgado, fedendo a queimado e ainda quer bancar o engraçadinho?
Peter sorriu com uma careta.
— Bom, pelo menos fedo mais a herói do que a vilão…
Ela cruzou os braços, o peito arfando. Ele se aproximou e segurou-lhe os ombros com delicadeza. Mary Jane ainda se recusava a encará-lo.
— Não precisa se preocupar, MJ. Não vão ser esses bandidinhos de Nova York que vão derrubar seu namorado.
Ela ergueu os olhos lentamente, encontrando os dele. Um instante de silêncio, e então o empurrou de novo, mais fraco desta vez. Um sorriso involuntário se formou, apesar da raiva.
— Que tal umas férias? — propôs ele, limpando o sangue do canto da boca com as costas da mão.
— Desde que a fantasia fique aqui… — respondeu ela, mas sua voz já soava menos agressiva.
— Você quem manda.
— Promete?
— Claro!
Ele ergueu a mão como quem jura diante de um tribunal, mas manteve a esquerda às costas, com os dedos cruzados.
— Eu, Peter Parker, juro solenemente deixar o Homem-Aranha em Nova York enquanto estiver de férias com Mary Jane Watson, minha namorada. Satisfeita?
Mary Jane soltou um suspiro e foi até a porta. Pegou uma mala já meio preparada, e encarou o namorado por sobre o ombro.
— Para onde vamos?
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